Fale-nos do sexo - Manuscrito encontrado em Accra


[Pag 89-94]

E a esposa de um comerciante pediu:
“Fale-nos do sexo.”
E ele respondeu:
Homens e mulheres murmuram entre si porque transformaram um gesto sagrado em um ato pecaminoso.
Este é o mundo em que vivemos. E roubar o presente da sua realidade é perigoso. Mas a desobediência pode ser uma virtude, quando sabemos usá-la.
Se apenas os corpos se unem, não existe sexo – apenas prazer. O sexo vai muito além do prazer.
Nele caminham juntos o relaxamento e a tensão, a dor e a alegria, a timidez e a coragem de ir além dos limites.
Como colocar tantos estados opostos em sintonia? Só existe uma maneira: por meio da entrega.
Porque o ato da entrega significa: “Eu confio em você.”
Não basta imaginar tudo o que poderia acontecer se nos permitíssemos unir não apenas nossos corpos, mas também nossas almas.
Mergulhemos juntos, portanto, no perigoso caminho da entrega. Embora perigoso, ele é o único a ser percorrido.
E mesmo que isso provoque grandes transformações em nosso mundo, não temos nada a perder – porque ganhamos o amor completo, abrimos a porta que une o corpo ao espírito.
Esqueçamos o que nos ensinaram: que é nobre dar e humilhante receber.
Porque, para a maioria das pessoas, generosidade consiste apenas em dar. Mas receber é também um ato de amor. Permitir que o outro nos faça feliz – e isso também o deixará feliz.

No ato sexual, quando somos excessivamente generosos e nossa maior preocupação é com o parceiro, nosso prazer também pode diminuir, ou ser destruído.
Quando somos capazes de dar e receber com a mesma intensidade, o corpo vai ficando tenso como a corda de um arqueiro, mas a mente vai relaxando, como a flecha que se prepara para ser disparada. O cérebro já não governa o processo; o instinto é o único guia.
Corpo e alma se encontram, e a Energia Divina se espalha. Não apenas naquelas partes que muitos consideram eróticas. Cada fio de cabelo, cada pedaço de pele emana uma luz de cor diferente, fazendo com que dois rios se transformem em um só mais poderoso e mais belo.
Tudo o que é espiritual se manifesta de forma visível, tudo o que é visível se transforma em energia espiritual.
Tudo é permitido, se tudo for aceito.
O amor às vezes se cansa de falar apenas uma linguagem suave. Pois deixemos que se manifeste em todo o seu esplendor, queimando como o sol e destruindo florestas com seu vento.
Se um dos parceiros se entrega por completo, o outro fará a mesma coisa – já que a vergonha transformou-se em curiosidade. E a curiosidade nos leva a explorar tudo aquilo que não conhecíamos em nós mesmos.
Procurem ver o sexo como uma oferenda. Um ritual de transformação. Como em todo ritual, o êxtase está presente e glorifica o final – mas não é o único objetivo. O mais importante foi percorrer com nosso parceiro a estrada que nos levou a um território desconhecido, onde encontramos ouro, incenso e mirra.
Dê ao sagrado o sentido do sagrado. E caso surjam momentos de dúvida, é sempre preciso lembrar: não estamos sós nestes momentos – ambas as partes sentem a mesma coisa.
Abra sem temor a caixa secreta de suas fantasias. A coragem de um estimulará a bravura do outro.
E os verdadeiros amantes poderão entrar no jardim da beleza sem temor de serem julgados. Não serão mais dois corpos e duas almas que se encontram, mas uma única fonte de onde jorra a verdadeira água da vida.
As estrelas contemplarão seus corpos nus, e eles não terão vergonha. Os pássaros voarão por perto, e os amantes imitarão o ruído das aves. Os animais selvagens se aproximarão com cautela, porque mais selvagem é aquilo que estão vendo. E abaixarão suas cabeças em sinal de respeito e submissão.
E o tempo deixará de existir. Porque na terra do prazer que nasce no verdadeiro amor, tudo é infinito.

Transcrito por Paulo Coelho. Livro: Manuscrito encontrado em Accra.
event sexta-feira, 23 de novembro de 2012
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