Maria nasceu menina
Útero, seios, vagina
Ninguém nem pensou em perguntar
Se essa era a sina que ela sonhava em ser
Nasceu menina e não há o que se debater
Maria veio para obedecer
Veio para ser o que toda mulher tem que ser
Dócil
Meiga
Delicada
Bem cuidada
Solícita, disposta e recatada
Sempre pronta pra servir
Maria veio pra agradar
E essa louça, quem vai lavar?
E essa boca, quem vai beijar?
E desse homem, quem vai cuidar?
Não, não nos interessa saber quem Maria quis amar
Maria com Maria não faz João e não há debate nessa questão
O corpo de Maria não é dela
Nunca foi nem nunca será
Um corpo que nasce pra ser usado
Deve ser muito bem moldado
De modo a saciar
Uma legião praticamente insaciável
Não importa quantas chaves
Nem quantos cadeados
Não importa quantas trancas quantas travas quantos medos
Um corpo que nasce pra ser usado
Não recebe visita, é arrombado
Maria nasceu branca - sorte a dela
A senzala não é seu berço
O chicote nunca foi seu terço
As portas não se fecham na sua cara
A vida não te nega pão nem água
Ser sinhá nunca foi questão de escolha
Mas Maria não sou só eu
Maria é todo ser que nasceu sem pedir
Num corpo que não escolheu
Numa vida que não construiu
Num caminho que nunca existiu
Maria das graças
Maria das dores
Maria das ruas
Maria dos palcos
Maria
Maria
Maria é nome de santa
Maria é mãe de Deus
Maria é santa na rua e puta na cama
Maria é a puta que te pariu
Maria é o que Maria quiser
E ai de quem contradisser.
De: Maria Luiza M. Stiepcich
