O Mago dos Jogos

Era uma vez um mago que desejava se tornar muito poderoso. Seu nome era Mago do Desejo. Sua fonte de poder residia em extrair da mente desejos cada vez mais requintados e estrambóticos.

- Eu desejo.

O mundo. A lua. As estrelas. Desejo devorava todas as imponentes e brilhantes grandiosidades que encontrava, mas sua fome somente gritava por mais magia.

Comeu tantos livros, grimórios, oráculos e arcanos, que sua alma inchou e nela nada mais cabia. Tornou-se assim o Olho do Desejo, passando somente a cobiçar novos mistérios que sua mente já não apreendia, pois tornou-se gulosa, confusa, ensandecida.
- Sou o Olho que tudo vê e não se fecha. O Olho que enxerga o Mundo de Mel e Abelhas e jamais dorme. É terno como o doce estar acordado, mas lancinante como a picada que privou-me dos sonhos.

A alquimia de emoções transbordantes e poderosas concluiu a Operação Vermelha, e o amarelo do mel tornou-se rubro. Transfigurou-se em Olho da Loucura. Cego e tóxico, fitava somente metade da vida, pois fugia da morte em sua busca desengonçada pela velhaca imortalidade.

Por instinto, seguiu o rastro de mel. O Mundo de Mel e Abelhas terminou. Era somente esse mundo que ele conhecia. O pobre tolo!

- Eis-me na fronteira do abismo. Devo cair? Devo saltar? Devo voar?
- Que tal dançar? Cantar? Ou morrer?

Do outro lado do abismo estava um mago com roupas coloridas e um sorriso cheio de dentes estampado na face gorducha. Ele sapateou e soltou a voz, num grasnido:


Eu duvido da tua vida e da tua graça
É a morte a bênção mais linda desse mundo
Achas que por sorte tornou-te tão profundo
Mas sequer aprendeste a amar tua desgraça

- JOGOS: Chamam-me Mago dos Jogos. Porque sei jogar, rir e fazer fogos. Queima, queima, coração em chamas! Tu amas somente a mim.
- OLHO: Eu não te amo. Sequer te conheço, ó, palhaço trambiqueiro!
- JOGOS: Oh! Por isso repudias a Dama Morte? É ela uma eterna desconhecida que te chama e seduz. Por que trocas as trevas pela luz? Assim, tão fácil, desististe de arrancar seu véu, sem titubear? Se amas a terra e o mar, quererás também o despertar e o sono, como mensageiros do céu.
- OLHO: Eu quero o poder, a glória e a eternidade de meu corpo de carne, de minha alma de marfim e de meu espírito invencível!
- JOGOS: Que tal um chá para acompanhar? Biscoitos para molhar?
- OLHO: Um Mago dos Jogos para degolar! Que sabes tu, paspalho trovador, da vida e da morte?
- JOGOS: O Olho deseja o poder, mas se esqueceu de rir. Agora só sabe cair e se perder. No meio do caminho derrubou seu sorriso. Jogo de crueldade e saudade do amanhã.
- OLHO: Controlas tu também o tempo? Que ousadia sem medida! Doce mentira. Sou eu o mestre das cartas e lâminas arcanas! Comando eu a carta d’ O Mundo!
- JOGOS: Não há mundo para aquele que vive somente pela vida. Deverás morrer enquanto vives e viver enquanto morres. Se quiseres tocar o céu, terás que cair. Como poderá levantar aquele que não colocou-se de joelhos? Abraça teu assassino e torna-te também um assassino. Não teme o bem, não teme o mal. Transcende todas as condições e descobrirás a grande mentira: “eu quero viver”.

O Mago dos Jogos lançou seus dados e com eles chamou gigantescas entidades de acordo com o sigilo da face que caía: magníficos servidores coloridos e brilhantes, que gritavam, cantavam e esperneavam.

O Olho tentou matá-lo, do outro lado do abismo, pois não suportava mais o patife bufão. Evocou alguns demônios com hálito de enxofre e cheios de deformidades através de seus selos geometricamente perfeitos.

Jogos sentou-se para meditar e tomar chá enquanto os demônios rasgavam sua alma. Até fez amizade com um deles e os dois foram de mãos dadas visitar os anjos.

Olho bradou orgulhoso:
- Eu o matei! Uma, duas, três vezes. Não contei.

Mas por que Jogos atravessou o abismo e ele não?
E a mentira venceu a verdade.

Olho da Loucura contorcia-se ensandecido ano após ano; década após década. Não importava quantos matasse ou quantos salvasse. Não era capaz de dar um passo adiante na vida ou na morte.

E a doença apoderou-se dele. Amou-o, beijou-o, tornou-se sua mimosa prostituta.

Ficou tão enjoado com Doença, que vomitou o mundo, a lua e as estrelas que antes tinha engolido. Do vômito caíram folhas amassadas de grimórios, símbolos, arcanos de tarot, mel, abelhas, a pedra filosofal e até mesmo alguns deuses enrolados com o feijão do almoço.
- Eu não desejo mais O Mundo. Eu não o desejo mais…

“Olho está velho. Olho está tão doente”. Ele foi Um Mago. Casou Seis vezes. Morreu Treze mortes repletas de bolhas de sabão. Quando finalmente conquistou O Mundo, brincou com ele em suas mãos e pensou que essa jornada era tudo que existia.
Velhinho, velhinho, não sentia mais sabores. Doente, doente, renegou a graça do mundo. E entendeu. Finalmente, conseguiu gargalhar com sua boca banguela.
Gargalhou até que todos os seus dentes caíssem. Esvaziou o saco pesado que levava nas costas, com o resto de um sol e de uma roda. O Olho estava leve e livre e finalmente enxergava algum resquício do universo.

Pela primeira vez, conseguiu dançar. Sapateou como o Mago dos Jogos, à beira do abismo, sem medo de cair. De tão feliz e serelepe atirou-se lá dentro. Como prêmio, ganhou asas.

O mundo converteu-se em loucura; e a loucura converteu-se em mago.

Era a magia: a insanidade.

Jogos apareceu voando numa estrela de oito pontas e gritou:
- Vamos jogar cartas, amigo?

E Olho chorou. Não tinha mais boca para sorrir. Não encontrava mais seu corpo de carne. Onde ele estava?

Jogos deu um sopro e destruiu o espaço. Noutro sopro quebrou o tempo.

Olho foi parar numa carta. Num dado. Num grimório. Numa flor.

Conquistou o que sempre cobiçou: O Mundo inteiro; somente quando o perdeu.

E o Mago dos Jogos? Não vê graça em histórias e filosofias, pois é muito brincalhão. Ele não leva a vida a sério. Não leva a morte a sério.
Guardou o Mundo de Mel e Abelhas de volta em sua carta. Agora construiria um novo mundo chamado Terra. E com ele brincaria de sorrir e chorar.

Isso é um jogo.
Isso não é um jogo.
Fim?
event sábado, 22 de setembro de 2012
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